Íntima degustação

A intimidade não é uma coisa que se consegue assim, do nada. É como cozinhar um bife quando está morando sozinho. Primeiro você vai ao supermercado comprar uma carne. Lá, se lembra dos conselhos de sua mãe, que mandava tomar cuidado para o vendedor não te vender muxiba. Então fecha a cara, enche o peito, coloca um palito na boca e fala, como se fosse experiente:

_ Bom dia, eu quero uma carne de bife.

O vendedor, achando que está diante de um grande especialista de carne, pergunta:

_ Que corte o senhor quer?

Você olha no fundo do olho dele e tenta manter sua farsa:

_ De vaca.

E, nesta hora, o vendedor decide que vai te vender muxiba.

Chegando em casa, você corta uma cebola. Esquenta a frigideira. Joga o azeite e a cebola, até ela começar a fritar. Desliga a frigideira, pois lembra que se esqueceu de temperar o bife. Tempera o bife. Joga a cebola que já foi frita fora, porque ela queimou por ter ficado muito tempo na frigideira. Corta outra cebola. Xinga o cachorro, que estava tentando subir na mesa pra comer o bife. Esquenta a frigideira. Bota o bife pra fritar. Faz uma deliciosa salada de palmito (que é a única salada que sabe fazer, já que só envolve abrir o vidro). Serve o bife no prato e, aí sim, percebe que era melhor ter pedido pizza.

Neste caso, você é a pessoa que tenta a todo custo arrumar intimidade e, quando, no fim, finalmente consegue, descobre que era melhor não ter conseguido.

E olha que quem está te dando este conselho é um policial! Sim, um policial, uma espécie humana mundialmente conhecida por ser íntima de muita gente (e que muita gente quer ser íntima).

Por exemplo, certa vez fui fazer um serviço em uma cidade meio longe da Região Metropolitana de Ribeirão das Neves, onde resido. Após finalizarmos nosso trabalho, resolvi parar em uma lanchonete e beber alguma coisa antes de pegar a estrada (seriam mais 4 horas de viagem). Parei a viatura na porta do estabelecimento e pedi uma Coca, sendo imediatamente atendido.

Ao acabar de beber, perguntei quanto era, mas fui surpreendido pelo vendedor:

_ Não é nada não. É por conta da casa.

Fiquei surpreso e boquiaberto. Eu não tinha pedido com intenção de não pagar, contudo, ele repetia que não ia receber. Percebi, inclusive, que não estava tentando me comprar, corromper ou tentando conseguir outro tipo de vantagem posterior. Obvio que não! Ninguém compraria um policial com uma Coca grátis, ainda mais uma em lata – nem foi uma “litrasso”. O que ele queria era estreitar nossos vínculos, fazer amigos, para que voltasse mais ao estabelecimento.

Mas eu não podia aceitar aquilo! Minha intimidade não seria comprada à toa. Tirei o dinheiro e supliquei que recebesse. Ele, por outro lado, insistiu que não pegaria. Pedi, então, que falasse com o gerente, pois não queria sair daquela cidade sendo conhecido como o “policial que toma Coca de graça”.

O vendedor, sem maiores reações, entrou em uma portinha na lateral da loja, que certamente dava na cozinha do local (ou uma boca de fumo, vai saber). Esperei por alguns segundos, sem olhar para os demais clientes do local, porque estava com vergonha de beber de graça (algo que, certamente, ninguém ali jamais havia visto). Quando eu estava no auge do embaraço, o rapaz entrou novamente pela porta, carregando um pratinho com dois pasteis.

_ O gerente mandou te entregar.

Olhei para aqueles pasteis por uns segundos, antes, claro, de comê-los. Afinal de contas, ninguém compraria minha intimidade com uma Coca. Agora, por dois pasteis, poxa, por dois pasteis dá pra fazer várias amizades.