Ninguém entende muito bem a vida e nem adianta tentar dizer que, com a experiência, pelo menos, a entenderemos melhor. Grande engano. Ao entrar no ensino médio, demorou uns três anos para entender a dinâmica da nova escola. Quando me tornei um especialista, apto a fugir do bulling, ir bem nas matérias e ter uma certa popularidade, acabou o ensino médio.
A faculdade também foi o caos. Demorei uns dois semestres para descobrir onde era o xerox, uns quatro para perceber o que era “direito” e mais dois ou três para entender aquela numeração da biblioteca. Aí, já tinha acabado o curso. E nem me sinto um fracassado por isso. Não. Quando formei, um amigo meu da faculdade, Felipe, desapareceu. Focaria a vida no concurso e se afastaria, ele justificou. Nunca mais o vi. Tenho quase certeza que ele está perdido em algum lugar daquela biblioteca, entre as estantes 343.2 G791d (Direito Penal) e 372.8 I41b (Castração de animais com colheres).
Assim segue nossa existência: no momento em que você fica especialista em algo, tudo muda. Quando ganha o bonequinho “Comandos em Ação”, ou a Barbie dos seus sonhos, deixa de ser criança; quando finalmente gosta da escola, ela acaba e não resta outra alternativa a não ser trabalhar; quando começa a conseguir, finalmente, juntar uma grana do salário, é demitido, e aí tem que se reinventar, aprender a dizer de forma natural que preferiu “sair da empresa para tocar uns planos pessoais” (no caso, ver “Fofocalizando” enquanto reza para que sua foto de sunga na praia chame atenção de algum CEO no Linkedin).
Nunca somos experientes em nada, porque tudo muda mais rápido do que a gente.
Menos para a Raphaela, minha sobrinha.
E eu devia ter desconfiado disso há tempos. Quando Rafaela tinha por volta dos quatro anos, ela se aproximou e me perguntou se eu não queria comprar roupas de Barbie, pois estava vendendo algumas. Claro que eu não tenho Barbie (e se tivesse, não faria provas contra mim mesmo colocando essa informação em um texto), no entanto, como eu achei bonitinho ela se desfazendo das coisas antigas, acabei comprando.
A promoção era simples, podia comprar uma por dois reais, ou três, por dez. Achei melhor comprar uma apenas, afinal de contas, queria incentivá-la a vender seus brinquedos antigos, não a ser uma estelionatária. Então ela pegou a roupinha e me mostrou. Era um vestidinho, de papel. Ela cortou uma folha de caderno, em forma de vestido, e coloriu com canetinha. Além disso, acredito que nem coubesse em uma Barbie, já que esse vestido está até hoje guardado na carteira.
Na época, achei que era coisa de criança, que faz objetos sem preço, proporção ou estética e vende pelo valor que acha ser suficiente para comprar um Kinder Ovo. Entretanto, achei isso só até semana passada.
Na semana passada, marcamos uma festa junina com Raphaela, que agora está com nove anos. Ela estava inconformada com a escola ter desmarcado a comemoração de 2020, devido à pandemia.
Bárbara, minha esposa, e eu iríamos à casa de Raphaela e Paula, minha cunhada, no intuito de comemorar. Paula fez um caldo de mandioca, comprou refrigerante e decorou a casa. Nós levaríamos canjica e doces (paçoquinha, beijinho, cocada). Até nos enfeitamos e colocamos “bigodinhos” em nossas máscaras, para serem usadas durante a festa.
O problema é que, ao chegar ao apartamento, tivemos que colocar nosso nome na “portaria”, controlada pela Raphaela. Além disso, era necessário comprar fichas. Isso mesmo, fichas de comida e bebida. Eu tive que pagar dois reais para comer cada paçoquinha que eu mesmo levei para a festa.
Foi aí que descobri que Raphaela não estava com saudades de festa junina. Ela estava com saudades de vender os ingressos de festa junina.
Enfim, todo dia percebo que ainda não entendi muito bem a vida: eu possuo um delay em relação ao que sei e o que deveria ter sabido. Isso é normal. Talvez até você se sinta assim. Todavia, lembre-se: para todo ser humano que não entendeu muito bem a vida, sempre terá uma Raphaela, que não só a entendeu, mas também é apta a lucrar com os que não a entenderam.