Tenho certa facilidade com desenho. Desde novo, desenhava cartoons, retratos de pessoas, algumas ilustrações e, quando pré-adolescente, desenhava mulheres de biquíni lutando contra Godzilla. Não me julguem por isso. Godzilla era o único monstro que sabia fazer: era só tentar desenhar um calango sobre duas pernas e errar. Aí ficava parecendo o Godzilla. E, quanto à mulher de biquíni, eu tinha visto uma reportagem do Fantástico falando da estreia da Gisele Bündchen no catálogo da Victoria’s Secret. Para a cabeça de um pré-adolescente, se a Gisele não fosse a Mulher Maravilha, ninguém mais seria.
Enfim, melhor não discorrer acerca da puberdade, ainda não estou preparado para isso. Eu até poderia dizer como sobrevivi a mudança do corpo; o engrossar da voz; o fato de, em menos de um ano, começar a parecer um babuíno albino, e, claro, poderia falar sobre os desesperos criados na mente de um pré-adolescente que estudava em uma escola técnica na qual havia oito garotas a cada 42 garotos dentro da sala, sendo que, dessas oito, três eram lésbicas, além de ter um menino que era muito mais bonito que os outros (já tinha até bigode!), fazendo com que os demais parecessem versões do Baby Yoda, o que naturalmente afastavam as cinco garotas restante, sobretudo por que esse meu amigo do bigode (maldito) ficou com todas elas enquanto eu desenhava mulheres de biquíni lutando contra o Godzilla. No entanto, não quero me pronunciar sobre isso. Hoje, falarei sobre bigode, não, digo, falarei sobre desenho.
Então, sei desenhar. Não muito, mas sei. Não é lá aquela coisa fantástica, assim como é ter bigode antes dos 16 anos, todavia, é um ótimo entretenimento. Minha mãe dizia que era um talento, assim como alguns outros que possuo. E esse é meu problema: tenho talentos – e não talento.
Eu tive um amigo na faculdade com uma aptidão inigualável de aprender diferentes línguas. A última vez que contei, ele falava fluentemente nove línguas. Misteriosamente, conseguia captar do latim ao exótico mandarim e, se bobeasse, ele conseguia entender os comentaristas da Globo News, até mesmo o Valdo Cruz.
Se eu parasse a descrição desse meu colega aqui, certamente você o acharia um gênio. No entanto, se você fizer um semestre com ele na faculdade, perceberá que, em todas as outras áreas da humanidade, ele é um ser desprovido.
Até nas letras mesmo. Na aula de sintaxe, minha professora perguntou certa vez quem poderia dar um exemplo de oração sem sujeito, tendo ele respondido prontamente.
_ Correu pelo parque.
_ Mas, Luiz (Luiz é um nome fictício. Por acaso, também é o nome desse meu colega), como essa oração é sem sujeito? Quem correu, Luiz?
_ Uai, ele correu.
_ Então o sujeito é ele, Luiz.
_ Jamais saberemos.
Esse era o Luiz: um tapado poliglota. Eu sabia disso, os amigos sabiam, a família sabia, minha professora de sintaxe sabia. Até o Luiz sabia! Na faculdade, rolava o boato de que ele tinha sido reprovado até no exame de sangue.
E aí voltamos para o cara sem bigode, digo, voltamos para mim. Tenho certa facilidade para desenhar, mesmo não tendo capacidade de ter pelos sobre a boca. Além disso, era ótimo em matemática e física, sempre li muito, também me aventurei pelo teatro, gosto de escrever e fazia esculturas em giz de quadro.
No entanto, a vida é uma espécie de jogo de computador. Antes de nascer, Deus nos dá doze feijõezinhos e diz:
_ Meu filho, cada uma dessas fileiras representa os talentos que você pode ter. Esses são doze feijõezinhos para você marcá-los. Distribua-os com cuidado, pois isso guiará o resto da sua vida.
_ Deus, posso colocar do jeito que quiser?
_ Sim, mas vou te dar o conselho: o Luiz botou os doze dele “línguas estranhas faladas por ninguém”.
Eu fui diferente: eu peguei meus doze feijões, espalhei cinco igualmente nas fileiras “escrita”, “desenho”, “escultura”, “matemática” e “física” – e provavelmente fiz feijão tropeiro com os demais.
Luiz era um gênio em quase nada, o que fazia ser genial. Eu, tentando ser genial em tudo, me tornei genialmente incompetente nas mais diversas áreas.
Se pudesse voltar, colocaria novamente meus feijões em uma só fileira, nem que fosse naquela destinada ao “bigode”.