Maldita inteligência

Eu não ligo se a Bárbara, minha esposa, é mais inteligente do que eu. Mas o fato dessa discrepância ser humilhante me incomoda um pouco.

Nada contra. No começo achava até bom. Quanto mais brilhante ela for, mais ela ficará rica. E, com sorte (e um bom contrato pré-nupcial), serei o maior beneficiado. Isso, no papel, sempre funcionou. Na vida real, casei com uma hippie acadêmica. Ela até que ganha bem, mas poderia ser uma Steva Joba da filtração com membranas, ao invés de escolher ser um Maria José Mujica do esgoto industrializado. O jeito é viver para o resto da vida ao lado de um cérebro descomunal e que prefere não ser tão rica quanto eu queria. Uma pena.

Mas falo sério: não ligo para o fato dela ser a pessoa mais inteligente que já conheci. Claro que não. Mas talvez eu ligue para os supostos diálogos que nosso filho, o Apolo, deve ter com seus amiguinhos caninos quando o levo para tosar no pet shopping:

_ Apolo, o que sua mãe faz?

_ É professora de uma grande universidade, pós-doutora, atuando em uma linha de pesquisa tão grande e complexa que seu nome não caberia neste pequeno texto.

_ Meu Deus, que chique. E seu pai?

_ Ele é concursado público.

_ Nossa, deve ganhar bastante.

_ Bem… ele é concursado na Polícia.

_ Oh, Apolo… sinto muito.

Para me acalmar, tenho pelo menos a sensação que meu nível de conhecimento é constante em tudo: em todas as áreas da minha vida, não sou nem um gênio, nem um Trump. Já a Bárbara… Ao que tudo parece, Deus jogou uma praga antes dela nascer:

_ Tu, Barbrinha, terá uma mente brilhante! Das maiores que esta terra já viu. Mas terá uma maldição: será uma estúpida em algo. E sua sagacidade jamais será suficiente para afastar esta estupidez. Pense bem! Escolha com sabedoria.

A Bárbara escolheu não ter nenhuma noção no trânsito. Isso mesmo, escolheu ser avessa a realidade quando se trata de dirigir veículos, atravessar ruas, olhar placas de trânsito, desviar de orelhões no passeio e até marcar locais de encontro para carona.

Para se ter uma ideia, certa vez combinei de busca-la na UFMG. Ela me mandou uma mensagem no celular: “A bateria do celular acabou. Estou mandando esta mensagem do celular da Aline. Vou ter que sair da salinha para olhar um teste e de lá espero no lugar de sempre”.

A primeira coisa que se perceberia numa mensagem dessa é a falta de inteligência emocional (não me mandou nem um beijinho?), mas o pior não era isso. Eu tinha tirado minha CNH há uma semana e só havia buscado a Bárbara duas outras vezes… as duas em lugares diferentes (quase em campi diferentes).

Um dia estávamos indo para Mateus Lemes. Bárbara era minha fiel copilota: eu dirigia e ela fazia a parte intelectual da viagem, olhando os mapas. No meio do caminho, perguntei para ela que horas eu teria que virar, pois já estávamos há muito tempo na mesma BR. Ela olhou no GPS e friamente me disse:

_ Há cinco quilômetros para trás.

Em outra ocasião, saindo de uma loja Americana, como estava sem visibilidade, pedi para que ela olhasse se poderia entrar na avenida. Ela olhou pela janela e gritou:

_ Pode ir. Mas vai buzinando!

Enfim, espero que o Apolo, quando for conversar com seus amigos caninos, possa pelo menos dizer a meu favor:

_ É, ele não é muito brilhante. Mas pelo menos não é culpa dele o carro lá de casa só andar amassado.