O fim das jornadas

O que falta nos tempos atuais é um pouco de Idade Média. Poxa, do que adianta sabermos que o Titanic foi afundado por um iceberg? Não seria muito mais divertido se ainda pensássemos que ele foi puxado pelas garras das sereias? E não era bom quando acreditávamos que havia cavaleiros incorruptíveis que se reuniam em torno de uma távola redonda em prol da honra e construção de uma nação? Bem, desde que começaram a transmitir julgamentos do STF na televisão, ficou bem claro que isso também não existe. E os unicórnios? Também não! Desde o começo da modernidade, passamos a acreditar que eles são apenas cavalos que se casaram com uma potranca mais danadinha.

Seria ótimo se ainda acreditássemos nisso tudo, mas o mundo cada dia se torna um lugar menos mágico. Uma pena que a humanidade matou a Idade Média no meio de nós.

Agora, confesso que seus ideais e imaginários custaram a cair: a sua última fronteira foi derrubada pelo Google Maps.

Na juventude, quando tinha que ir a algum lugar distante (como Ibirité, que fica em um ponto remoto da região metropolitana de Ribeirão das Neves), sentia que ainda havia um pouco de medievalismo no mundo. Como será que alguém mora em Ibirité? Será que eles possuem casas, ou vivem em pequenos castelos? Será que eles chamam os bares de boteco (como em BH) ou lá há tavernas?  Será que já chegou cerveja, ou eu verei o último reduto do hidromel? Enfim, ao que tudo indicava, Ibirité era um mundo fantástico!

Agora, nada superava o caminho para chegar até lá! Lembro-me que um amigo, o Lucas, me convidou para ir a sua casa nesta cidade (ou devia chamar burgo?). Quando ele me explicou o caminho, minha mente delirou:

_ Olha, você vai descer no ônibus na frente da Escola Madre Antonieta, aí você anda três quarteirões, vira à direita, segue mais algumas quadras, dobra no quarteirão anterior ao Epa, segue até um boteco, no qual fica um velho barrigudo assentado na porta, e dobra a segunda direita depois do lote vago… Minha casa é a terceira desta rua.

Aquilo me impressionou! A começar pelo nome da escola, que remetia aos grandes centros de estudos do final do primeiro milênio. As ruas nem sequer possuíam nomes! Além disso, eu só saberia onde virar se eu errasse o caminho (se eu visse o Supermercado Epa, era porque tinha que ter virado um quarteirão antes). E o melhor de tudo: havia um ponto de referência humana perto da residência dele (um idoso gordo na frente de um bar).

Como fiquei com medo de me perder, peguei a lista da TELEMIG, que era uma espécie de agenda telefônica global de Ribeirão das Neves e sua região. No final dela, havia mapas com as ruas de várias cidades. Arranquei algumas páginas sobre Ibirité e parti, assim como um jovem hobbit (vulgo anão de pé peludo) em uma jornada rumo ao desconhecido, levando seu mapinha.

Mas nem precisei das folhas da lista telefônica. Meu colega tinha descrito tudo com extrema exatidão. Até o homem gordo estava lá quando eu cheguei!… Desde então, meu sonho é me tornar uma referência como este cara foi para minha vida: vira e mexe eu fico em pé na esquina perto da pracinha aqui do bairro, parado, só para ver se alguém passa por mim e fala:

_Olha, é o cara que nosso amigo falou! Agora é hora de virar à direita.

Mas acho que isso nunca vai acontecer. Para dizer a verdade, esta minha jornada foi uma das últimas aventuras medievais que participei. Meses depois, veio o Google Maps. Hoje, ninguém tem dúvida como se chega em Ibirité: basta jogar no Google, seguir as instruções, ver o ponto exato em que se deve virar (o street view matou de vez a função dos gordinhos de Ibirité…) e, duas horas depois, você chega lá (após se perder, claro).

Uma pena. No mundo atual, cada vez há menos espaço para unicórnios, sereias, jornadas antológicas e pontos de referência humanas, feitos de velhos rechonchudos assentados na beirada da estrada. Infelizmente, na modernidade, ficamos sabendo mais do que é necessário…