Por que ainda sou Delegado de Polícia?

Estava um dia desses em uma operação no meio de um aglomerado. Chegamos a um determinado local, paramos a viatura e iniciamos a subida pelas vielas. Quando encontramos a casa (barraco), me ajoelhei do lado de fora, esperando a equipe se posicionar antes de adentrarmos. Fiquei com medo… e tremi um pouco. Como diria lorde Stark de Winterfell, na Guerra dos Tronos: “É impossível ser corajoso sem ter medo”. Não ter medo não é ser corajoso, é ser estúpido. E foi aí, naquele momento, ajoelhado, na frente daquela porta, que me perguntei: “O que eu estou fazendo aqui?”.

Seria ótimo ter tido uma experiência milagrosa naquele momento. Queria poder dizer que qualquer coisa incrível acontecera, como anjos, labaredas de fogo, sapatinhos alados, ou até que o Harry Porter tivesse aparecido, mas nada, absolutamente nada de anormal aconteceu. Queria dizer que Deus me respondera naquele momento, dizendo algo lindo em meu coração. Todavia, eu não O ouvia. A única coisa que eu ouvia, lá no fundo da minha cabeça, era: “Ela não anda/ ela desfila/ ela é top/ capa de revista”. Alguns vizinhos haviam deixado o rádio ligado de manhã cedo.

Persistiu, assim, a pergunta: “O que estou fazendo aqui? Não era melhor um concurso que me proporcionasse uma sala confortável, em meio ao ar condicionado, em vez de uma posição torre no meio da favela? Não era melhor tentar ser pastor ou fazer algo mais santo (como ser missionário, mestre ou levita), em vez de ficar subindo em morros?”. Mas eu não precisava que Deus me enviasse aquelas respostas, pois eu já as tinha (só havia esquecido. Provavelmente por causa daquela música horrorosa!).

Sou policial, muitas vezes odiado pela sociedade (que me considera como um cachorro bravo, que deve ser mantido na coleira para não destroçar todos), temido pelos amigos (principalmente os que eu suspeito que usam droga), que nunca é convidado para churrasco (que tenha droga) e que ganha menos do que merece… Então, por que continuo nesta profissão?

Continuo, pois meu serviço não é a porta para reconhecimento e riqueza, mas sim uma obrigação: refletir o amor de Deus em toda criação. Esta continua dando testemunho da existência e do poder de Deus, entretanto, sua condição presente inclui morte e a catástrofe. Por meio do meu trabalho, tento amenizar o processo de putrefação desse mundo caótico. Sou policial, pois tento ser sal, mas não para dar gosto. O sal não deixa o que está apodrecido mais gostoso, mas retarda o apodrecimento (como diria a quarta pessoa da trindade, John Stott).

Como é sabido, as Delegacias de Polícia, em quase sua totalidade, sofrem, assim como a maioria dos serviços públicos, pela falta de pessoal e de infraestrutura, o que gera diversas reclamações. Mesmo assim, evitamos utilizar tais deficiências como desculpas. Tentamos, à medida do possível, dar uma resposta adequada à sociedade, tendo em vista que a Polícia é  first-line enforce da norma penal, não podendo tardar em sua atuação por ser a instituição mais próxima da população e de seus anseios. Tentamos cumprir, então, apesar de tantas dificuldades, o papel máximo estatal: lutar para que seja respeitado o bem maior (a vida humana) e possibilitar a vida com dignidade em comum.

Há muito que se melhorar na Polícia e sei que, se eu prender alguns traficantes, ladrões, homicidas e estupradores, outros aparecerão e muitos serão soltos devido à ineficiência do sistema lento, corrupto e burocrático brasileiro. Todavia, também sei que esta é minha missão, e não desistirei dela. Deus colocou-me no mundo para cuidar da sua criação (Gêneses 2:15) e não acredito que haja melhor forma de fazê-la do que sendo um Delegado de Polícia.

 

(Texto publicado em comemoração ao dia do Delegado de Polícia, em dezembro de 2013)