Nos tempos de Esopo, havia um lobo daqueles que falam com outros animais. Chamava-se Carlos Daniel Bracho. Mas não era um lobo normal. Tinha medo de tudo. Quando era jovem, não gostava de brincar de lutinha com os demais lobos, pois receava que pudessem furar seu olho. Na adolescência lobiana, temia tanto caçar que virou vegetariano. E, um dia, quando foi atacado por um corvo ao tentar pegar os ovos no seu ninho, virou vegano. Além disso, ficou apaixonado ainda jovem, mas nunca se declarou a Lalita Perez, já que esta poderia lhe dar um fora (na verdade, ela daria mesmo, já que lobos preferem a safadeza do que relacionamentos sérios).
Certa vez, Carlos Daniel Bracho voltava com sua matilha de uma longa migração, enquanto nevava densamente. No meio do caminho, avistaram uma fonte termal, em meio ao deserto de neve que havia se formado. Todos se regozijaram e avançaram correndo, se jogando no meio daquelas deliciosas águas quentes. Todos, menos Carlos Daniel, que ficou inerte do lado de fora do lago, apenas olhando seus companheiros correndo, pulando e espalhando água por todos os lados.
Um asno que passava por ali (e só Deus sabe o que aquele asno fazia no meio de uma nevasca – e, por sorte nossa, era um asno que falava) se aproximou do lobo.
_ O que fazes aí? Por que não se junta a seus amigos?
_ Não vês que este lago está repleto de pedras? E se eu pular sobre elas e machucar minha pata?
_ Ora, veja só, és lobo, o maior animal que Deus criara. – respondeu o asno, que aparentemente não conhecia meu vizinho do apartamento 103 – Como pode um ser como tu, um lobo, de tamanha majestade, ter receio de algo tão bobo e vil como umas pedrinhas?
_ Mas tenho medo. Nunca entrei em um lago.
_ Não és tu o rei de tudo, que todos temem? Aceitas de que espécie és e toma posse de tua glória, para que viva em plenitude com que tu verdadeiramente és, não com as amarras que criastes. Pulas e mostras ao mundo que nenhuma pedrinha tirará a grandiosidade do destino que lhe é reservado. Haja como deve ser: soberano!
E Carlos Daniel Bracho, estufando seu peito, pulou sobre o lago e morreu ao bater a cabeça nas pedras.
Quem segue o amigo asno é, na verdade, um grande burro.