Desgracete

Eu estava namorando a Bárbara, minha atual esposa, há umas 3 semanas. Ainda estávamos naquela fase conhecida como “Só se cê quê/ Cê qui sabi”. Trata-se de um momento no namoro no qual você está mais focado no conhecimento da pessoa do que em tentar enfiar a língua no fundo da garganta dela. Se você já viu um casal novo de mineiros, sabe o que é isso. Por exemplo, eles almoçam juntos pela primeira vez. Depois da comida, ela pergunta se gostaria de tomar um sorvete. Claro que ele quer, afinal de contas, o maior hobby dos mineiros é engordar. Todavia, fica na dúvida: “Será que ela quer saber se eu sou viciado em doce, o que, provavelmente, vai nos levar a uma vida de diabetes e sedentarismo aos 25 anos?”. Como não consegue achar a resposta correta, apenas diz: “Só se cê quê”. Do outro lado, ela rebate: “Cê qui sabi”, escondendo a sua vontade, no intuito de não mostrar que será sedentária e diabética aos 25 anos.

Bem, neste mundo de incertezas e pisadas no escuro do começo de namoro, a Bárbara me convidou para um churrasco na firma de sua mãe. Claro que aceitei! Apesar do pouco tempo de relacionamento, sempre fui louco com churrasco. É nele que mostramos ao resto da criação divina que estamos no topo da cadeia alimentar! E nem precisa ser comida boa. Quando alguém compra uma carne de rã, capivara, cordeiro ou jacaré da lagoa da Pampulha para fazer assado, pode ter certeza que não faz pelo gosto. Essas carnes são horríveis! Uma mistura de areia com coalhada feita na última sexta-feira. Não, não tem nada a ver com o paladar. Colocar carnes estranhas no espeto serve para comprovar ao resto das espécies quem manda: “Veja, mundo animal, a nossa vitória! Posso comer tudo o que o Sol toca, até este bicho estranho. O mundo é meu banquete! E, se um vegano reclamar, eu vou comer mal passado!”.

Eu sou carnívoro por causa disso. Comer tomate, pimentão, cebola, cenoura, legumes e outras espécies de capim é um desfavor à humanidade. É cuspir e afrontar todos os avanços que nossos ancestrais fizeram, desde que pararam de pastar nas savanas africanas para usar a lança, desenvolver o arco e flecha, inventar a pecuária, até chegar ao máximo da evolução gourmet, que, no caso, é o hambúrguer de papelão do Wesley Batista.  

Por isso, fui preparado para a festa da supremacia humana: não almocei e caminhei até a firma, em vez de pegar o ônibus. Queria chegar no auge da habilidade física de degustação.

Lá, após cumprimentar a todos, encontrei a Bárbara na cozinha:

_ Ainda bem que chegou,… Lucas. – ela disse meu nome e não “amor”, pois apelidos carinhosos não são uma coisa que se cria na fase “Só se cê quê/ Cê qui sabi” – Estou fazendo um prato especial: vinagrete!

Poxa, foi neste dia que percebi que estava saindo com uma destruidora do legado humano… e o pior é eu odeio vinagrete. Odeio! Cheguei até a pensar um pouco, antes de colocar no meu prato: será que eu devia avisá-la? Não seria desfeita? Será que vale a pena perder uma namorada por causa de tomate picado no meio de um monte de coisas que minha comida costuma comer?

Entretanto, como cheguei à conclusão de que, por causa do meu desfalque estético, jamais arrumaria outra mulher como ela, comi tudo, tentando esconder a ânsia de vômito que me assolara.

Uma semana depois, Bárbara me chamou novamente para um churrasco na firma. Outra vez, tinha vinagrete especial. Na outra semana, entendi que era costume familiar fazer churrascos aos sábados e que minha namorada não tinha percebido que eu jogava vinagrete nas plantas que ficavam no fundo do estabelecimento.

Como não tinha coragem de dizer nada, o jeito foi treinar! Colocava aquela mistura estranha quase todos os dias, quando almoçava no self service. No começo, comia sem respirar, da forma mais rápida possível. Com o tempo, consegui refinar meus modos. Eu ficava dando garfadas, enquanto olhava ao espelho do restaurante, sempre sorrindo e balançando a cabeça. De vez em quando, até lembrava de respirar! O fato é que o prato acabou virando parte da rotina. Não que eu tenha começado a gostar! Para mim, essa mistura de coisas de gosto duvidoso é igual filho de amigo: abomino, mas tenho que conviver com ele.

Contudo, houve outro distúrbio na força, já alguns meses depois. Bárbara me avisou que sua mãe venderia a firma e que não haveria churrasco. De certa forma, fiquei até feliz, pois pude jurar que nunca mais comeria nada que tivesse tomate e vinagre juntos. Entretanto, naquela mesma semana, ela me chamou para um jantar em família no sábado. Ao chegar em sua residência, percebi que o prato principal era sopa de inhame.

E este foi o único dia da minha vida que eu senti saudade do vinagrete.