O guarda redes

Só sabe o que é aperto nesta vida quem já foi goleiro sem ser vocacionado. Ver um jogador recebendo uma bola, detrás da zaga, saindo na sua cara, preparando uma “bicuda” e você sem tempo para sair da frente dele é uma das piores sensações que um homem pode ter. Eu sei. Eu já fui um guarda metas.

Não foi uma época boa da minha vida. Meu pai, que já havia jogado no Atlético como goleiro, me deu uma luva, um meião, uma calça com joelheira embutida e uma camisa com ombreiras e cotoveleiras. Como sempre tive uma protuberância abdominal, aquelas roupas pelo menos amedrontavam os atacantes, que quase não conseguiam ver o gol atrás de mim. Assim, depois de tanto investimento, fui aos campos de futebol armador do Brasil, de forma completamente desengonçada: mais parecendo o Fausto Silva, quando usava terno nos anos 80, do que com o Zetti, meu ídolo na ocasião.

Claro que aquilo não daria certo! Eu sabia desde o início. Nos meus primeiros jogos, quando chutavam a gol, apenas fazia questão de estar no lugar onde a bola não estava. Depois, inventei uma técnica mais honrosa, que consistia em cair em câmera lenta antes do arremate à baliza, dando chance ao jogador. Claro que essa tática às vezes dava errado (há muitos atacantes Neguebas neste mundo!) e eu acabava defendendo algumas bolas, para alegria do meu pai e minha tristeza.

Mesmo assim, insisti! Eu havia sido um investimento familiar! Além disso, achei que alguém poderia perceber que eu tinha jeito para aquilo e acabasse ficando rico. Afinal de contas, foi o que aconteceu com a Geisy Arruda, quando descobriram que ela tinha capacidade de não fazer nada de relevante na televisão.

Sabia que ser jogador de futebol era bastante complicado, mas parecia muito mais fácil do que meu outro plano de trabalho: ser o Slash, do Guns N’ Roses.

Se eu soubesse que não daria certo, tinha continuado tentando ser o Slash. Pouparia hematomas.

E não deu de forma arrasadora! Pois, meu amigo, não se engane! Se não foi predestinado para tal, nunca será um bom arqueiro! Não importa o quanto treine ou se esforce (e eu até tentei um pouco!). Todos os trabalhos são meras profissões, com exceção de ser goleiro! Ser goleiro é vocação! É um chamamento de Deus, que deve informar a maioria deles ainda dentro da barriga de suas mães:

_ Filho, ao nascer, serás guarda metas!

_ Mas Deus, se possível, afaste de mim as traves e coloque habilidade no meu pé esquerdo para ser o novo Roberto Carlos do Winning Eleven 02!

_ Mas filho, tu serás gordo. Como serás o último escolhido na educação física, sobrarás o gol mesmo…

Tudo bem, como nunca fui vocacionado, a minha época de defesa da baliza passou rápida.

O que é relevante esclarecer, portanto, é que a vocação nasce de um chamado transcendental e divino, que ninguém entende. Se você for convocado, apenas vá! Ser goleiro reflete uma aptidão para a dor, sofrimento e solidão embaixo das traves. Claro que acredito que haja aqueles satisfeitos com sua missão de vida! Mas eu só acredito mesmo. Não conheço nenhum…