Ah, doce imersão nas águas quentes divinas

Eu gosto muito de banheira.

Não, você não está me entendendo. Eu gosto muito mesmo. Muito.

Chega ao ponto de ser doentio. Claro, já melhorei um pouco. Antes era pior. Cheguei a pensar em ser comunista. Ia invadir a casa dos vizinhos: todas as banheiras deveriam ser socializadas! Não deveria sequer existir a expressão banheira! A ditadura do proletariado, certamente, mudaria o seu nome. Sim, quando o proletariado chegasse ao poder, toda banheira viraria ofurô!

Não deu certo: o proletariado não teve força suficiente para chegar ao poder. E, quando chegou, preferiu comprar uma banheira para ele mesmo.

Assim, me restou ser capitalista. Deixei esse negócio de socializar para lá. Teria uma só para mim! Só minha! Só entraria quem eu deixasse, ou seja, ninguém!

Mas o capitalismo não foi feito para amadores e nem para quem forma em curso de humanas. O sonho da banheira se esvaiu novamente, quando descobri que o açúcar (R$9,45), o óleo (R$3,39) e o feijão (R$4,79, daqueles que vem com pedra) não se geravam espontaneamente dentro das dispensas de nossas casas. Ao que tudo indica, meu pai os comprava. E eu não casei com meu pai…

Depois dessa triste realidade, me sobraram as banheiras dos quartos de hotéis de algumas viagens que já fiz. Aproveito ao máximo! Cada momento, cada gota quente, cada espuma, cada borbulha.

Mas a alegria de ex-proletário dura pouco: a Bárbara não gosta de banheira. Nunca a entendi: ela não é capitalista nem comunista, é só uma boba. Do que adianta trabalhar se não for para desfrutar daquela água calma e quentinha?

 

Ela fica nervosa quando estou me banhando. Melhor, nem sempre. Ela fica nervosa só quando demoro muito. E isso acontece sempre. Ela não tem paciência para a doce imersão nas águas quentes divinas. Normalmente, enquanto repouso, ela sai para comer algo, dá um passeio, conhece a cidade, conversa com nativos da região, joga bola e teve uma vez que ela comprou um shawarma sem batata (longa história…). Ao voltar, lá estou eu, como um hipopótamo: todo submerso, só com os olhinhos para fora. Ocasionalmente levanto, dou uma baforada e retorno. A água quente, quase fervendo, fica paradinha. Tudo calmo. Menos a Bárbara.

Tadinha, fica preocupada. Tem até suas teorias próprias: diz que minha pressão pode cair, eu posso desmaiar, posso escorregar no sabão, meus órgãos internos podem cozinhar com o calor da água até eu virar um tipo de canja. Mas o que ela tem medo mesmo é que eu fique muito tempo dentro da água quente até enrugar todo, enrugar até a morte. Tem medo de um dia chegar e encontrar apenas um bolo de carne irreconhecível.

Para mim, não faz sentido: nunca ouvi que alguém morreu por causa de um banho. Acho que, se você não for europeu, morrer por causa de um banho é quase impossível. Mas ela contra argumenta com bases técnicas que ela tirou de artigos científicos (provavelmente feito por algum europeu). Talvez ela esteja certa. Afinal, a ciência nunca errou antes, como diriam aqueles pesquisadores da terra plana.

Mesmo assim me arrisco: tem gente morrendo por causa menos digna que a banheira. Se eu falecer desfigurado, irreconhecível, como uma bola de carne todo enrugado, não tem tanto problema assim. Vai ser uma morte relaxante, em meio a espumas e sais de banho.

Só tenho medo do que a Bárbara escreverá em minha lápide. Acho que será algo parecido com: “Aqui jaz uma almôndega humana”. E, em baixo, com letras garrafais: “EU DISSE”.