O nascimento de um filho é tipo uma black friday, que você espera, mesmo sabendo que vai ser enganado. Você sonha. Se prepara. Fica com medo. Dismeda. Sonha de novo. Compra coisas. Fica com medo. Dismeda da fatura do cartão. Sonha. Fica com medo e, no final de um grande ciclo, do nada, chega o dia e você percebe que não precisaria ter planejado nada, nem ficado com medo, pois tudo é diferente do previsto. A única certeza é que você vai sair de lá com um pacotinho novo (tipo aqueles “leve dois e ganhe 20%”, no máximo), fora isso, todas as regras do dia são geridas pelo caos.
O nascimento do Gabriel não foi diferente. Estávamos tranquilos, trabalhando, quando nos deslocamos para uma consulta terça à tarde. Aquelas consultas pré-agendadas, que todo mundo faz, tipo revisão de carro. A nossa nem era porque o pneu tava gemendo, superaquecendo ou com algum vazamento. Era só uma revisão por quilômetros rodados.
A Bárbara foi direto da PUC. Eu dei uma agarrada no serviço e saí meio em cima da hora. No dia, eu lembro que atrasei por ter algo super-relevante para fazer no serviço e hoje nem lembro o que era – provando que, de relevante mesmo no trabalho, talvez seja só o salário. Então cheguei no meio da consulta.
A minha esposa estava de frente para a dra. Larissa, nossa obstetra, com um sorriso estranho no rosto. Sabe, esses sorrisos quando alguém fala, sem dizer nada, que é melhor você sentar antes das notícias? Eu lembro direitinho que preferi ficar quieto, sem perguntar se estava tudo bem – ganhando tempo para aproveitar o mundo, pois por dentro desconfiava que a black friday tinha chegado. Todavia, a doutora preferiu me encarar e dizer, com uma cara boa (sim, pessoas te olham com cara boa quando estão planejando cortar a barriga de alguém):
_ Então, vamos ver o Gabriel hoje?
Eu olhei para elas, decepcionado com as duas. Não era esse o combinado. Ainda era dia 24 de junho. O combinado era que a Bárbara tentaria segurá-lo até dia 22 de julho, para não nascer do signo de câncer. Tudo bem, eu achava uma tarefa complexa, já que meu menino estava marcado para nascer dia 07 de julho, mas falhar tão miseravelmente me assustou na hora.
Podíamos pelo menos fingir que ele nasceu dia 20 de junho, para ser de gêmeos. Contudo, essa minha ideia não foi aceita. A dra Larissa estava mais interessada em me explicar o que tinha acontecido, ignorando totalmente a preocupação zoodíaca – já que ela não precisaria lidar com o Gabriel assim que ele saísse. A pressão da Bárbara estava igual placar de jogo de handebol: 20 por 12. Se subisse mais dois ou três pontos, já viraria basquete, fazendo com que fosse melhor antecipar o parto.
Tive que concordar.
Pedi para Bárbara ficar na clínica, pois iria em casa, buscar a mala de maternidade. Ela virou para mim e disse o maior temor que todo homem possui:
_ Você vai ter que arrumá-la, pois não deu tempo de juntar minhas coisas.
Em 18 anos de relacionamento, eu nunca tive sucesso arrumando uma mala. Lembro de uma vez que fui viajar para um Airbnb no interior e tive a ultrajante missão de fazer minha bagagem por 4 dias. Levei tudo que precisava, tudo, com exceção das roupas de baixo. 4 dias e não tinha colocado nenhuma cueca. Eu acho que nunca mais me senti tão livre assim.
Fui correndo para casa e tive a sorte de encontrar a Lia, nossa diarista. Pedi para ela pegar as roupas da Bárbara junto comigo (as minhas e do Gabriel já estavam separadas).Catamos tudo que achamos que ela precisava (sobretudo roupas de baixo), tendo Lia perguntado se ela tinha pedido para incluir algo fundamental. Eu mandei para ela, a questionando, e a resposta foi apenas: “Traz minha mochila com as provas e o notebook”.
A Bárbara já tinha trabalhado até o dia do nascimento. Isso é normal, acontece com diversas mulheres. Mas trabalhar durante o parto foi uma ideia inovadora dela. Enfim, não estava nada acontecendo como devia, então eu só peguei o notebook e aceitei a loucura.
Passei na clínica e fomos então para o hospital, meio tremendo, mas com uma alegria intensa! Eu estava desesperado para ver como ele era, para pegá-lo, para que tudo terminasse bem…
Infelizmente, demorou mais do que eu esperava. Chegamos ao Vila da Serra às 17 horas, mas falaram que o parto seria por volta das 20 horas. Então a Bárbara aproveitou para fazer os exames complementares, para ver se estava tudo bem, e eu aproveitei para fazer nada, pois geralmente quando faço isso eu fico tudo bem.
Não dessa vez. Eu aceitei que a black friday tinha adiantado. Eu aceitei que tinha levado o carro para a revisão e sairia de lá com um minicooper novo. Eu aceitei que Babi resolveu estar com pressão de uma panela cozinhando feijão sem água. Eu aceitei de boa que a única exigência na hora da confecção da mala fosse um laptop. Mas eu não tinha aceito ainda que ele seria de câncer. Sim… Os cancerianos… Aaaaahhhh, malditos seres que resguardam a memória da humanidade e revivem mágoas em um replay absoluto. Meu filho, um deles??? Aff!
E foi aí que percebi que ainda havia uma esperança: quem sabe a Lua dele não fosse em uma casa normal? No entanto, quando joguei no Chatgpt, eu percebi que de fato teriam coisas na paternidade que não seriam tão fáceis de lidar:
“Com base no mapa astral de um menino nascido em 24 de junho de 2025, até às 20h59 em Belo Horizonte, e considerando as posições planetárias estimadas para essa data e horário, é possível sugerir que Gabriel nascerá com Sol em Câncer e Lua em Leão. Após as 21 horas, a Lua ficará em Peixes, até 17 horas do dia 25”.
Câncer com Leão… Leão… Leão… Reconhecimento, orgulho e vaidade? Sério? Junto com mágoas? Arrogante magoado?
Nem tive força para contar para Bárbara o que nos esperava. Ela que descobrisse. Mesmo assim, achei por bem tentar minha última cartada. Eu virei para a minha esposa, olhei no fundo dos olhos dela e disse:
_ Amor… você sabe que as melhores promoções só começam depois das 21 horas, né?