Aparentemente, ao nascer uma criança, não surge um pai super-herói. Uma pena. Eu achava que, assim que você segurasse um cabeção todo gosmento pela primeira vez, surgiria com ele a graça divina de saber dar colo, a aptidão de fazer mamadeira, a capacidade de trocar fraldas e o dom de ter uma receita premium – a da minha mãe era um tareco, uma espécie de biscoito doce mineiro, o qual a receita se perdeu com o tempo (todos que sabiam fazer morreram de diabetes).
Infelizmente, nada disso aconteceu. Lembro da primeira vez que peguei o Gabriel no colo, olhei para ele e fiquei emocionado. Mas foi só isso… Na verdade, eu nem me saí muito bem. Achei que surgiria uma frase bonita, ou que eu citaria um poema, tipo uma música do Rei Leão. Nada. Pelo contrário, acho que a primeira coisa que o Gabriel ouviu de mim foi:
_ Eita porra, como segura isso aqui?
Não me orgulho do fato que a segunda palavra que meu filho ouviu no mundo foi um palavrão… Será muito difícil ele não gostar de funk quando crescer.
Talvez fosse melhor que eu tivesse decorado algo, no entanto confiei na minha capacidade de improvisação. Um erro, já devia saber disso. Quando pedi a Bárbara em namoro foi a mesma coisa. Eu não decorei nada e pensei em falar o que meu coração mandava no momento. E eu disse para ela que minha família era toda careca e que, se ela me traísse por isso, eu ficaria triste.
A Bárbara estava muito desesperada por homem nessa época, só pode…
Com o passar dos dias, nada dos superpoderes aparecerem. A fralda, por exemplo, foi um sofrimento. Eu sei que parece estranho, porém nos primeiros dias eu fiquei com receio de pegar meu filho. Meio sem saber o que fazer, entende? Ele era mole, parecia uma amoebinha branca… Além disso, genitores, vocês compreendem que, se tiver um filho menino, vocês vão ter que limpar um outro piruzinho que não seja o seu? Não estou zoando… Isso deveria ser explicado nas faculdades antes de alguém querer ter filho.
Na verdade de tudo, a coisa que mais me deu calafrios no primeiro mês de Gabriel foi a mamadeira. Vocês sabiam que um bebê pode engasgar tomando leite na mamadeira? É leite! Não estou dando caldo de feijão com torresmo. Leite! E o leite está num bico de silicone na boca dele! E mesmo assim ele pode engasgar? Sabia? Sabia, Darwin? Explica essa merda!
Não tem jeito mais fácil de proporcionar a comida para alguém que em uma mamadeira. É só sobreviver até o final e tá alimentado! Só isso! Mesmo assim, ele insistia em quase morrer um monte de vez!
Eu direto parava, segurando a cabeça dele para cima, rezando para que tossisse e deixasse de ser vermelho. Quando isso acontecia, a sensação era boa… Eu me sentia um péssimo pai, mas não um homicida. E enfiava a mamadeira de novo na guela dele.
Enfim, com o nascer de um filho, o pai perde a sua última esperança de ser um super-herói e percebe que, como o resto da vida, vai ter que aprender tudo de novo.
É meio triste… Entretanto pelo menos é um sentimento meio global.
Foi o Pedro, meu primo, que abriu meus olhos para isso: que a falência paterna é universal. Ele disse que passou pelas mesmas coisas. Aliás, foi até mais esclarecedor. Lembro de ter perguntado para ele:
_ Pedro, a sensação que você tem é que ser pai é deixar seu filho vivo?
E ele respondeu:
_ Relaxa, Lucas. Com um mês, seu trabalho é só mantê-lo vivo… Quando começar a engatinhar, aí complica. Além de se esforçar para ele não morrer, você também terá que se esforçar para ele não se matar.
Ser pai não é fácil. Muita coisa nova, muitos desafios, muitas incompetências e o sofrer sozinho naqueles vinte segundos esperando seu filho tossir o leite. E pensar sobre isso não é uma forma de gerar uma desculpa! É uma forma de entender o que está acontecendo, para assumir a missão.
Pai não pode falar que tem medo de dar mamadeira. Pai não tem o direito de ficar com nojo de trocar fralda do filho. Pai não deveria reclamar que está com sono, por isso não acordará para ajudar de noite. Pai não pode se fechar em seu gabinete, para terceirizar a criação de um filho para a mãe, avó ou uma babá.
Pai não pode fazer nada disso, pois se você fez um filho, você pode não ser um super-herói, mas tem a responsabilidade de um.