Ribeirão de Babel

A verdade é que o mundo nunca precisou de mais de um idioma, entretanto, é fácil notar como muitos insistem neste erro. Imagine se houvesse apenas uma língua! Poderíamos ver um filme legendado sem legenda; fazer textões no facebook, possibilitando que eles não sejam lidos em qualquer lugar no mundo… e – já imaginou? – se pudéssemos compreender o que dizem todos os políticos? Talvez assim, finalmente, perceberíamos que o Trump é a versão laranja do Bolsonaro.

Acho até que uns 2 ou 3 idiomas ainda seria adequado. Talvez mantivéssemos o nosso nativo, para as coisas do dia a dia; o japonês, caso quiséssemos cantar a música de abertura do Jaspion; e a do “P”, se aspirássemos falar algo com nossos irmãos, sem a mãe entender (“PÊvai PÊse PÊfuPÊdê”).

Mas não, desde Babel, a humanidade insiste em proliferar formas distintas de fala. Para ser preciso, na atualidade, há mais de seis mil! E ninguém sabe o porquê. Todavia, sabemos de onde vem esta zona: da Europa, o único país do mundo que acha que é um continente.

Eu, por exemplo, sou de Ribeirão das Neves. Trata-se da cidade mais importante da região metropolitana de Ribeirão das Neves, na qual se enquadram as satélites Belo Horizonte, Contagem, Venda Nova e a praia internacional de Guaraparis. É uma terra pacata (pois as pessoas violentas já morreram ou estão se matando), reduto de enormes infraestruturas habitacionais (conhecidas como presídio Dutra Ladeira) e refúgio de diversas celebridades, como o Johnin, o seu Zé da venda, o Sequestrador da Rua 4 e a Doidinha da Rua 28.

Mesmo sendo uma das regiões mais ricas e belas do país, lá, apenas uma língua é falada: 99% dos habitantes falam brasileiro (não é 100%, pois a Doidinha da Rua 28 é muda). E todos se entendem. Não precisa de inglês, esperanto, português (que é uma versão jeca do brasileiro, muito falado na cidade de Portugal). Não, nada disso. Falar brasileiro, nos basta!

E olha que temos bastante tempo para conversar, já que o maior produto de exportação da cidade é mão-de-obra: 90% da população de Neves trabalha em Belo Horizonte – e os outros 10% estão no presídio (ou, como é chamado, apart hotel Dutra). Assim, quando nos deslocamos de ônibus, com quase 2 horas de trajeto, percebemos o quanto a língua brasileiro é extremamente eficiente. É tão completa que até em gestos nós a entendemos: se o ônibus está balançando muito e você está sendo jogado para um lado e para o outro, basta uma cotovelada na costela para ficar sabendo que é melhor balançar para outro lado; se alguém te olha de cara ruim, percebe na hora que ele deve morar na “quebrada de baixo”; ou, se um homem cutuca suas costas com algo duro e frio, você já tira a carteira e passa a ele, sem ter que dizer nada.

Ainda assim, apesar de toda esta eficiência, os europeus não reconhecem a grandiosidade do brasileiro! Não, claro que não! Aqueles esnobes, provavelmente patrocinados pelo curso CCAA, insistem em ignorar nosso belíssimo idioma e continuam com aquela confusão. Os Italianos se comunicam em uma espécie de português xingando e com vários assentos tônicos em locais errados; os franceses falam como se tivessem sido picados por abelhas; a língua grega é tão estranha que já faz mais de 2 mil anos que estão tentando entender o que Platão escreveu… E a Alemanha? A Alemanha nem se fala! Eles só cospem e arranham a garganta, o que alguns linguistas apelidaram de alemão, o baixo saxão, sorábio, romani (e que, em Neves, nós apelidamos como falta de educação)…

Poxa, se a Alemanha fosse no Brasil, todos falariam brasileiro! Aliás, se a Alemanha fosse no Brasil, nem país seria! Seria, no máximo, uma cidade do interior de São Paulo! E teriam sorte se fosse lá. Se ela virasse uma cidade-satélite de Ribeirão das Neves, eles passariam aperto no ônibus, se começassem a emitir aqueles barulhos que chamam de fala.