O Grande Dragão Branco

Infelizmente, nem tudo é igual filme. Eu até gostaria que fosse! Poxa, adoraria que minha vida estivesse sendo interpretada pelo Rodrigo Hilbert (eliminaria muitos dos meus problemas amorosos), roteirizada pelos produtores de Friends (para que eu sempre estivesse cercado de amigos engraçados, que tomam café o dia inteiro, sem morrer de úlcera) e dirigida por algum produtor da Disney. De preferência por um dos antigos! Queria um daqueles dos contos de fadas mesmo, já que, na minha vida de cinema, eu seria a princesa, que fica dormindo, esperando as coisas se resolverem pra acordar.

Queria, mas não é.

E olha que eu pensei muito tempo que fosse. Na adolescência, tudo estava dando tão errado que eu comecei a desconfiar que estava dentro de uma espécie de show, escrito pelo Nicholas Sparks. Eu era tão ferrado, mas tão ferrado, que tinha certeza que uma hora a minha vida começaria a dar certo (notas, namoro, vestibular, carro) e, quando eu achasse que minha existência estava as mil maravilhas, do nada, descobriria que tenho uma doença incurável, ou sofreria um acidente, ou, quem sabe, receberia uma carta me convocando para a guerra do Afeganistão.

Por sorte, depois da adolescência, comecei a achar que demitiram o Nicholas e contrataram o Spielberg: abruptamente, o show ficou ótimo, divertidíssimo, como se eu estivesse em um grande fim de semana no sítio! Entretanto, vira-e-mexe tinha que fugir de algum dinossaurão que me aparecia.

Bem, mas eu acho que aprendi mesmo que a vida não era um filme quando eu e a Gabriela, minha irmã, começamos a dar aula para crianças carentes de uma ONG. Foi talvez o emprego mais maluco que eu já aceitei (e olha que eu já vendi bombom, fantasiado de palhaço, na praça da Liberdade).

Claro que eu não possuía competência para a tarefa. Muito menos a Gabriela! Naquela época, ela achava que balé era uma espécie de teatro mudo, mas com som (?). Como tínhamos ciência de nossa inaptidão, a única coisa que dávamos eram exercícios de voz e, no fim da aula, improvisações teatrais em pequenas equipes.

Em uma tarde, fui até um destes grupos, que tinha quatro meninos (um de 13 e três de 9 anos) e perguntei o que eles apresentariam. Wesley, o mais velho e mais forte de todos, explicou:

_ Vamos fazer o teatro do “Grande Dragão Branco”, igual eu vi na Band ontem, aí eu vou ser o grande Dragão Branco e os meninos vão ser os ninjas, que vão tentar me vencer, aí eu vou quase morrê e, no fim, vou ganhá.

Bom, não era um primor de roteiro, mas filmes do “Velozes e Furiosos” fizeram sucesso com roteiros piores do que esse.

Assim que ficaram prontos, pedi que subissem no palco e começassem a peça… Eu só não podia esperar que o pau ia comer solto! Esqueça telequete, WWE, UFC, jogos do Boca Juniors! Nada disso, nada, nada mesmo se compara com a pancadaria que rolou na peça do “Grande Dragão Branco”. Gabi e eu ficamos estarrecidos com a pancadaria, enquanto os demais alunos da sala gritavam em coro:

_ Dragão! Dragão! Dragão!

Wesley começou dando golpes para todos os lados, controlando a cena. Contudo, as coisas mudaram muito rápido: o problema é que ele não sabia é que um dos meninos era muito bom na rasteira. Toda hora que ele se levantava, puft (!), tomava uma rasteira e os ninjas montavam sobre ele, descendo o cacete. Ele custava a se levantar e, quando ia correr, puft (!), rasteira! Mais uma sequência de porrada e, do nada, puft (!), rasteira.

No meio do caminho, os gritos da sala mudaram de lado:

_ Ninjas! Ninjas! Ninjas!

Por fim, eu e a Gabi achamos melhor intervir, pois Wesley caiu na escada e um dos ninjas assentou em sua cabeça. Quando separamos todos, a torcida foi ao delírio, assim como os ninjas, que se abraçaram comemorando a vitória. Depois os quatro deram as mãos e despediram do público, fazendo reverência, como havíamos ensinado.

Wesley, ao sair do palco, apenas falou para a Gabi:

_ Na próxima eu quero ser ninja.

E foi neste dia que eu entendi que a vida não tem roteiro. E, se tivesse, talvez ela nem fosse tão divertida assim.