You shall not pass

Eu sinto muito, mas limites não foram feitos para serem quebrados! Eu sei que perto dos carnavais pipocam manifestações contrárias a quaisquer regras impostas, proliferam xingos à sociedade retrograda em marchinhas incompreensíveis e até surgem capas no Facebook, com foliões levando faixas tais como: “Quem tem limite é função, eu tenho uma vida integral”. Entretanto, eu não sou obrigado a concordar. É bonito e é legal defender esta tese de uma sociedade apenas regida pelo amor, não por imposições, mas temos que lembrar que nem tudo que é bonito e legal presta… E nem precisa ver uma temporada inteira de BBB para chegar a esta conclusão.

Eu sei que os limites são chatos, regrinhas que muitas vezes parecem incompatíveis com uma multidão bêbada louca para beijar ao som de axé. Contudo, estas fronteiras existem por algum motivo! Afinal de contas, você protege com limites apenas o importante. Quando vai a uma festinha infantil, pega uma porção de coxinha e coloca dentro de um pratinho de plástico, mostra para o resto da sociedade: “Estas coxinhas são minhas”. Agora, se no meio da coxinha, sem querer, pegou um daqueles terríveis pasteizinhos de milho, você olha para os dois lados e, disfarçadamente, joga o pastel atrás de um sofá. Ou seja, o que não gosta, tira de seus limites, já que, em um pratinho de plástico, todo espaço que conseguir para colocar coxinhas é pouco.

Os carnavalescos até tentam, mas a grande verdade é que desde criança sabemos que não há vida sem eles! A Raphaela, de 7 anos, por exemplo, outro dia veio comer conosco. Após a ceia, servi a sobremesa: sorvete. O problema é que eu fiquei com preguiça de lavar as vasilhas de sobremesa, então resolvi colocar o sorvete nos pires de café. Para disfarçar, fiz um empratamento e todos fingiram que não repararam, com exceção da Rafa:

  _ Sorvete no prato?

_ É, Rafa. – disse a Paula, mãe dela, tentando fazê-la ficar calada.

_ Lá em casa nós não comemos sorvete no prato. – continuou a pequenina, ignorando os beliscões – Lá em casa nós temos limites… Sorvete é na vasilha.

Neste dia nós aprendemos duas coisas:

  • Eu aprendi que até as crianças possuem mais noção da vida que os foliões;
  • A Rafaela aprendeu que, se falar demais, fica de castigo quando volta para casa.

E não pense que só o sorvete e coxinhas devem ser protegidos. Se você ama alguém ou algo, deve limitá-lo para o próprio bem dele: se a CBS amasse “How I Met Your Mother”, teria a cancelado na sétima temporada; se a Globo respeitasse o Faustão, impedi-lo-ia de continuar apresentando aquele programa; se eu amasse a Bárbara, minha esposa, mais do que a mim, tinha que ter proibido-a de dizer “sim” na frente do pastor.

Além disso, eles são fundamentais para que percebamos o amor que outras pessoas sentem por nós! Lembro-me da minha primeira noitada (e talvez única, se considerar que vigília de igreja não é noitada). Eu havia acabado de formar no ensino médio e resolvi sair com meus amigos. Fomos até um bar, depois fomos até outro, depois em uma danceteria… Cerca de 5 horas da manhã, tomei um ônibus para casa, com aquela sensação no coração: “Meus Deus, que merda foi essa?”.

Ao chegar ao meu bairro, vi que a padaria já estava aberta, então aproveitei para comprar pão. Entretanto, não contava que, ao sair do estabelecimento, meu pai, o homem sem sono, estava na porta. Quando me viu – todo bagunçado, com cheiro de cigarro, roupa amassada, marca de cerveja entornada na blusa, vômito em um sapato – ele me olhou nos olhos e disse:

_ Cê comprou pão?

É, deste então reparei que esta era minha vida: uma vida sem limites. Pouco importava onde dormia, andava e comia, desde que tivesse lembrado de comprar pão… Talvez seja por isso que eu gosto de carnaval.