O som perseguido

Confesso que eu não tenho um gosto musical muito apurado, mas, pelo menos, eu não sou preconceituoso.

Minha história com a música começou mais tarde do que o resto das pessoas. Eu não dançava Galinha Pintadinha, Xuxa, Angélica, samba enredo, nada disso. Passei ileso na infância, salvo umas apresentações das Chiquititas que eu fiz na roça. Naquele tempo, nós apresentávamos shows aos nossos pais – claro, se eles pagassem nosso cachê, afinal de contas, desde a infância eu já sabia que o comunismo não me levaria a lugar nenhum.

Acho que foi na adolescência que eu realmente percebi que precisava de música para viver. Bem, nem tanto assim, mas era um bom jeito de puxar conversas com as jovenzinhas da escola. Eu estudava no CEFET e percebi que, se não quisesse virar um celibatário, eu deveria diversificar as conversas, uma vez que puxar papo com Cavaleiros do Zodíaco não estava dando muito certo. E olha que eu tentei com as únicas vinte mulheres que estudavam lá (na época, ser nerd ainda era algo ruim).

Procurei algo para gostar e acabei chegando ao Skank. Nem sei muito bem o porquê. Não me recordo se foi por serem mineiros, pelo ritmo, pela melodia ou por serem ótimos roqueiros que ainda não tinham se matado. Só sei que não foi uma escolha técnica, já que eu não possuía nenhuma base. Para se ter uma ideia, eu fiquei uns dois anos ouvindo e comprando CDs deles achando que Skank era o nome do vocalista. Foi uma surpresa ver que ele se chamava Samuel. Por um tempo, inclusive, eu achei que ele se chamava Samuel Skank.

Meu primeiro refinamento musical veio com minha irmã mais velha, a Raquel. Ela me apresentou novas composições, bandas e estilos típicos da juventude, como Spice Girls, Backstreet Boys, Renato Russo e o Youtube da época: o Top 20 Brasil MTV. Foi como um toque de sofisticação teen na minha vida, algo que ninguém havia conseguido (apesar de a mamãe ter tentado isso alguns anos antes, quando me deixou furar orelha). A grande verdade é que a Raquel foi a única que passou por uma adolescência normal lá em casa. Conversava com amigos, dançava, saia, fazia ligações eternas no telefone – não obstante o desespero do meu pai. Por outro lado, a Gab, a caçula, era excessivamente evangélica para ter sido normal e eu tinha joguinhos no computador, portanto não tive tempo para ser adolescente.

Com essa nova leva de sons, passei a perceber que nem só de Skank fazia-se uma MTV. Mesmo assim, mantive-me no rock, o resto eu julgava ser igual ao samba: um monte de som aleatório existente com a única finalidade de se conseguir encochar os outros ou ser encochado.

 

Foi no auge da minha rockialidade que eu conheci a Bárbara. Claro que um dos primeiros assuntos que tentei com ela foi sobre música. Todavia, ela não gostava de rock. Achei que ela estava louca. Tentei mostrar Raimundos, Cidade Negra, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Titãs… Em vão! Ela nem chegou a ouvir. Simplesmente não suportava.

E ela me mostrou as canções que gostava.

Ao longo desses 11 anos que estamos juntos, eu permaneci com meu estilo, mas ela me indicou coisas boas. Passei a admirar a voz da Laura Pausini, os shows de Whitney Houston, o dançar do Michael Jackson, a barriga do Vinícius de Moraes. Todavia, eu não consegui ensiná-la quase nada… Bárbara se negou a evoluir. Sempre que ela passa e estou ouvindo rock, ela muda de estação ou abaixa o som. Nem se interessa com o que está tocando.

Eu nunca tinha entendido, até a última quinta-feira. Quando fui pegá-la na frente da PUC, ela entrou no carro enquanto tocava Love of My Live, do Freddie Mercury. Assim que assentou, disse:

_ Adoro esta música.

E eu quase trombei o carro.

_ Mas você sempre disse que odiava rock.

Ela olhou para baixo um pouco, antes de me responder, fingindo que nada acontecera.

_ Isso não é rock. Queen é pop.

_ Queen, pop? – ela fez que sim com a cabeça – Então o que é rock? O Pink Floid é?

_ Não, é pop.

_ Beatles?

_ Pop.

_ Bom Jovi?

_ Pop.

_ Uai, e o que é rock?

_ Estas coisas barulhentas que falam de Satanás.

_ Tipo o que?

_ Sei lá… Luan Santana?

Naquele instante, percebi que, para minha esposa, só há dois tipos de música: as ruins são rock; as boas, pop. Simples e puro preconceito, reflexo de uma sociedade sambista. Olhei no fundo dos olhos dela e constatei que ela não tinha se dado conta do problema, pois ela era parte do problema…

Seja menas, Bárbara, bem menas…