O Ocultismo Científico

Fiquei muito feliz em saber que as bolsas do “Ciência sem Fronteiras” não eram direcionadas ao curso de Letras. Isso é muito importante! O primeiro passo é admitir: estamos longe de ser ciência.

E nem adianta os alunos reclamarem, pois desde o primeiro semestre temos noção plena disso. A começar pelo objeto de estudo do curso. Quando fazemos “Introdução à Literatura Universal”, por exemplo, a primeira parte das aulas se destina a questionar o que é introdução, depois o que é literatura e, por fim, o que seria universal. De fato, a única coisa que deveríamos discutir sobre o título da matéria não chega a ser, em momento nenhum, questionada: este “à” tem crase ou não? O dia em que a crase voltar a ser estudada na faculdade, talvez voltaremos a ser ciência.

E as matérias que se seguem nos demais semestres mostram que existe apenas uma forma de se lecionar na faculdade de Letras, sempre baseada em três etapas:

1ª: o professor lê um texto (geralmente um poema, um conto ou um pedaço de uma tese);

2ª: o professor foge do texto, usando-o apenas como impulso para contar suas memórias, causos e anedotas;

3ª: o professor nunca mais volta ao texto, começando a divagar sobre a vida, a existência, o Atlético e a tristeza de ainda não ser sexta-feira.

Assim, Letras está mais para terapia em grupo do que para ciência.

E acredito que outros cursos estão seguindo o mesmo caminho. A Ciência da Computação, por exemplo, deixou de ser ciência há muitos anos e está avançando rapidamente para uma espécie de ocultismo ritualístico.

Acredito que o docente, no primeiro dia de aula, deveria ser claro com os alunos:

_ Bom dia, senhores. Começaremos nossa aula com a regra básica do Ocultismo da Computação, tomem nota: “se o computador parar de funcionar, desligue-o, conte até dez, ligue novamente”… Dúvidas? Não? Bem, é isso, estão todos dispensados, até semestre que vem.

Acho que, agindo dessa forma, o professor seria mais verdadeiro com seus alunos e deixaria o resto do curso para matérias realmente importantes, como: “Introdução ao Facebook”, “Facebook Avançado”, “Instagran I”, “Instagran II”, “Como Bloquear Pop-Up”, “Entrando no Wifi do vizinho” e “Qual link tem gente pelada e qual é vírus?”.

Por fim, acho que os outros cursos que caminham a passos largos para deixarem de ser ciência são as engenharias. Sei que eles ainda devem demorar um pouco, mas acredito que, no final, se definirão como religião. Afinal de contas, é preciso ter muita fé para acreditar em algo que não se pode ver como o átomo, que em grego significa indivisível, mas que, apesar disso, possui vários constituintes.

No fundo, engenharia é uma grande gambiarra guiada por um senso de fé. Não há como fugir disso. E nem é bom! Imagine quão libertador seria aos próprios catedráticos admitir que suas aulas de laboratório são uma forma de culto ao Deus desconhecido, invisível e indivisível, apesar de ter divisões:

_ Pessoal, então, como podemos ver, a voltagem final será de 50 volts.

_ Mas a minha deu 48,7. Por que?

Então a professora olharia para cima, com as mãos ao céu, e diria:

_ É o missstério!

E os alunos responderiam:

_ Oh, Glóóória!!!

_ Aleluias!

_ Queima eles, Benzeno!

E todos começariam a dançar, fazendo sapatinho de fogo, em volta do experimento.